domingo, 25 de octubre de 2015

"Argentina: o veredicto das urnas"



ARGENTINA
O veredicto das urnas

Cerca de 40 milhões de eleitores decidem hoje quem será o próximo presidente a suceder Cristina Kirchner na Casa Rosada. Favorito nas pesquisas, o governista Daniel Scioli pode vencer no primeiro turno



RODRIGO CRAVEIRO (Correio Braziliense, 25 de octubre de 2015, p. 14)


Se depender de todas as pesquisas de opinião, são grandes as chances de os 40 milhões de argentinos elegerem hoje Daniel Scioli — candidato da coalizão governista Frente para la Victoria (FPV) — como sucessor de Cristina Fernández de Kirchner. As sondagens apontam que Scioli aparece com cerca de 40% das intenções de voto, seguido por Mauricio Macri (em torno de 30%), da aliança opositora Cambiemos. Sergio Massa, da Frente Renovadora, deve obter 20%. Para se tornar presidente sem a necessidade de segundo turno, Scioli precisará conquistar 40% dos votos e somar uma diferença de 10 pontos percentuais para o segundo colocado. Nas urnas, estão em jogo o futuro do kirchnerismo, após 12 anos de amplo domínio, e a esperança de mudanças entre a população (leia O povo fala).

Todas as pesquisas apontam uma diferença entre 10% e 13% entre Scioli e Macri, e permanecem dentro da margem de erro”, explica ao Correio Leandro Morgenfeld, doutor em história e professor de história argentina pela Universidade de Buenos Aires. Na noite de quinta-feira, durante o encerramento de campanha, os três principais candidatos depositaram as esperanças nos indecisos, que somariam cerca de 30% dos eleitores. De acordo com Miguel De Luca, cientista político da Universidade de Buenos Aires, o voto na Argentina tem seguido padrões bastante estáveis ao longo das últimas três décadas. “O peronismo mantém, na grande maioria das províncias, uma média histórica de apoio que jamais ficou abaixo dos 30%”, afirma.

A mobilização das pessoas que não votaram durante as Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso), em agosto passado, pode ser decisiva para determinar o próximo ocupante da Casa Rosada. O especialista reconhece que Scioli chega com força às urnas, beneficiado pela ampla área de apoio à FPV. “Os candidatos da FPV a outros cargos, que se elegem simultaneamente hoje, como governadores, legisladores e intendentes, dão a Scioli um respaldo mais sólido do que aqueles à disposição de Macri e de Massa”, observa De Luca. Segundo ele, a vantagem da coalizão governista se concentra na estratégica província de Buenos Aires, a qual responde por 40% do eleitorado nacional, como nas províncias do norte e da Patagônia. “Por sua vez, a fortaleza de Macri se situa nas grandes cidades, mas fica em desvantagem no norte e no sul da Argentina. Massa tem uma força ainda mais modesta”, acrescenta.

Morgenfeld acredita que, em caso de segundo turno, marcado para 22 de novembro, o afilhado político de Cristina Kirchner deve enfrentar dificuldades apenas se disputar com Massa. “Todas as sondagens indicam que Massa ganharia as eleições contra Scioli. Se o eventual segundo turno envolver Macri, ele dificilmente captará os votos de Massa, por esse candidato contar com forte componente peronista. Dessa forma, parte dos eleitores de Massa penderia para Scioli”, admite o historiador. “O panorama é bastante alentador para o candidato da FPV. Todos os esforços do oficialismo têm sido no sentido de ganhar ao menos 0,5 ponto percentual e chegar ao patamar dos 41%, encerrando a eleição ainda neste domingo”, emenda.



Êxito


A chave do sucesso do oficialista estaria na “fórmula” 12K + DOS. “O apoio a ele se baseia em dois fatores: a construção de adesões ao longo dos 12 anos dos governos de Néstor e de Cristina Kirchner; e o próprio Daniel Scioli”, explica De Luca. Scioli atrairia os votos dos simpatizantes do casal Kirchner e de suas políticas públicas. “Esses creem que, ao votar nele e nos demais nomes da FPV, manifestarão apoio ao continuísmo. Nesse grupo, estão inclusos os militantes de La Cámpora e do Espaço Carta Abierta — cerca de 750 intelectuais não partidários que redigiram várias cartas questionando a legitimidade governamental, o conflito no campo e a direita 'agromidiática'”, observa. A imagem de candidato moderado e estacionado no centro da disputa política, com boa aceitação entre os distintos setores da sociedade argentina, seria outro trunfo de Scioli.

Para muitos, a plataforma de governo de Scioli se mantém enigmática. “O que se julgará no dia seguinte ao pleito será qual rumo terá uma eventual gestão da FPV, pois Scioli não é um candidato do kirchnerismo e apresenta diferenças em relação a Cristina. Ele tem outro estilo e outra plataforma de política externa”, comenta Morgenfeld. O historiador afirma que será interessante acompanhar a dinâmica da relação interna entre Scioli, caso eleito, e da atual presidente. E perceber se as mudanças na economia serão mais ou menos graduais. “Nos últimos dois ou três anos, o governo tentou fomentar o consumo interno, o que causou vários desequilíbrios, com crescente deficit fiscal e ativação do superavit internacional. Scioli deverá fazer um ajuste, de forma paulatina, a partir de dezembro”, prevê Morgenfeld. As adaptações emergenciais incluiriam a retirada de subsídios do Estado, como o consumo de serviços públicos, a liberação do mercado de câmbio e um acordo com os fundos abutres (empresas especializadas em comprar títulos de crédito vencidos) para a retomada de empréstimos.

Se chegar à Casa Rosada, Scioli provavelmente terá dificuldades em levar adiante promessas de campanha alinhadas às dos opositores. Isso porque, dentro da coalizão oficialista e do parlamento, existiria um bloco importante de kirchneristas. “Haverá um equilíbrio político muito complexo nos seis primeiros meses de governo. Veremos se Scioli vai se distanciar do kirchnerismo e se aproximar dos peronistas ou se prosseguirá na coalizão, contando com o apoio da base de Cristina”, analisa Morgenfeld.


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